Sonhei que
caminhava em um campo florido. Deserto, sozinho. Éramos somente eu e eu mesmo,
além do vento no meu rosto e o toque da terra sob os pés. Avistei um portal prateado, grande, velho
e desgastado. Entrei.
Lá estava ele,
sentado sobre uma pedra negra, contando
gravetos em seu colo, separando os maiores, dos menores. Me viu e
sorriu. Fez sinal com as mãos para que me aproximasse. Foi o que fiz. Senti seu
toque macio em meu cabelo e um cheiro de azeite e hortelã invadiu minhas
narinas. Refrescante e suave, assim como sua voz quando começou a falar.
Disse-me que
ficasse tranqüilo, pois o tempo, apesar de parecer um capricho e invenção do
homem, pertence ao universo desde antes mesmo que pensássemos em existir.
- Olhe em volta, você reconhece esse lugar? Perguntou ele.- Não, nunca vim aqui antes, respondi.- Esse lugar sempre existiu, mas você precisava encontrá-lo sozinho e me encontrar também. Sou tudo aquilo que você teme e estou no lugar onde você esconde tudo o que gostaria de ser. Observo-te quando você escolhe o caminho mais fácil, quando desiste dos seus sonhos para viver a rotina, disse ele.
Olhei em volta
e então percebi que havia mais pessoas. Conhecidos, mas esquecidos. Havia também
coisas, lugares, céus, pôr-do-sol, estrelas, caminhares na praia, viagens à
noite, riscos, medos, mudanças, tudo isso no mesmo lugar, em volta de mim,
passando diante dos meus olhos, enquanto ele me olhava atentamente.
- O que isso significa, eu morri? Perguntei assustado.- Isso é o arrependimento, um lugar perto do tempo perdido e da ânsia, esse é o lugar onde essas coisas nunca deveriam estar, mas você as mandou e eu cuido delas desde então, até que você resolva retomar o controle.
Foi quando ele
se levantou e vi seus pés, descalços e cheios de musgo verde, bem verde e vivo,
como se fosse parte da terra, como se fosse um organismo vivo e crescendo
constantemente enquanto conversávamos.
- Todas essas coisas vieram para cá e daqui não sairão mais, você precisa gerar novos sonhos e realizá-los desta vez, porque não tenho mais espaço! Exclamou em um tom como que me cobrando alguma atitude.- Mas você ainda não me disse quem é você! Insisti.- Você não vê? Eu sou tudo o que você gostaria de ser, sou a coragem de superar medos, sou a vontade do novo, sou o que significa seu nome. Sou aquele que suplanta, sou você. Sou sua vontade interior, seu espírito vivo e crescente, sou tudo o que precisa, sou a hora certa, o terreno preparado, a semente e a chuva, a vida correndo em suas veias, suas células se multiplicando, a música em sua cabeça, a arte em seu sangue. Sou o que você deve sempre lembrar.
Senti sobre mim a chuva cair e avistei
uma onda vindo em minha direção. Sabia que era hora de acordar. Ouvi sua voz
pela última vez antes de realmente deixar aquele lugar.
- Acorde, mas não pare de sonhar.
Um comentário:
é muito difícil mesmo se dar conta que o espaço das coisas esquecidas está ficando cada vez menor.
Mas confesso que enquanto não posso fazer tudo que quero, pelo menos continuo a visitar esse lugar, ver o que perco. Prefiro não me iludir como se realmente não estivesse perdendo essas coisas.
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