30 de outubro de 2013

A raposa e o Pequeno Príncipe


Nunca tive interessei pelo livro 'O Pequeno Príncipe' e confesso que sempre tive muito preconceito com a obra, mas durante uma palestra há semanas atrás, conheci esse trecho e fiquei apaixonado. Nunca tinha visto uma descrição tão bonita quanto a relacionamentos -muito além do cliché de cativar e ser responsável por aqui que cativa- mas a questão do processo de conhecimento e as marcas que outras pessoas nos deixam, que da mesma forma deixamos. Um diálogo sincero sobre carência, conquista e, finalmente, saudade.

“E foi então que apareceu a raposa:
– Bom dia – disse a raposa.
– Bom dia – respondeu educadamente o pequeno príncipe, que, olhando a sua volta, nada viu.
– Eu estou aqui, – disse a voz, debaixo da macieira...
– Quem és tu? – perguntou o principezinho. – Tu és bem bonita...
– Sou uma raposa – disse a raposa.
– Vem brincar comigo – propôs ele. – Estou tão triste...
– Eu não posso brincar contigo – disse a raposa. – Não me cativaram ainda.
– Ah! Desculpa – disse o principezinho. Mas, após refletir, acrescentou:
– Que quer dizer "cativar"?
– Tu não és daqui – disse a raposa.
– Que procuras?
– Procuro os homens – disse o pequeno príncipe.
– Que quer dizer cativar?
– Os homens – disse a raposa – têm fuzis e caçam.
É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinhas?
– Não – disse o príncipe. – Eu procuro amigos.
– Que quer dizer “cativar”?
– É algo quase sempre esquecido – disse a raposa.
Significa "criar laços"...
– Criar laços?
– Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim.
Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
– Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens também.
Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol.
Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra.
Os teus me chamarão para fora da toca, como música.

E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo?

Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! – Mas tu tens cabelos dourados.

E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo, que é dourado, fará com que me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...
A raposa calou-se e observou muito tempo o príncipe:
– Por favor, cativa-me! disse ela.
- Eu até gostaria – disse o principezinho – mas eu não tenho
muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a
conhecer.
– A gente só conhece bem as coisas que cativou – disse a raposa.
– Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma.
Compram tudo já pronto nas lojas.
Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos.
Se tu queres um amigo, cativa-me!
– Que é preciso fazer? – perguntou o pequeno príncipe.

– É preciso ser paciente – respondeu a raposa

– Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva.
Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada.
A linguagem é uma fonte de mal-entendidos.
Mas cada dia, te sentarás um pouco mais perto...
No dia seguinte o príncipe voltou.
– Teria sido melhor se voltasses à mesma hora – disse a raposa.
– Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz! Quanto mais a hora for chegando, mais me sentirei feliz! Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!

Assim o pequeno príncipe cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:

– Ah! Eu vou chorar.

– A culpa é tua – disse o principezinho. – Eu não queria te fazer
mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...

– Quis – disse a raposa.

– Então, não terás ganho nada!

– Terei, sim – disse a raposa – por causa da cor do trigo.

 SAINT-EXUPÉRY, Antoine de.
 O Pequeno Príncipe

26 de outubro de 2013

Amor que pixels



Em pleno século XXI, em meio a facilidades de entregar a organização da nossa rotina a apps e manter nossa memória em cartões e chips, temos entregado também nosso coração ao acaso de sistemas operacionais e softwares. Essas opções mais rápidas e produtivas aproximam virtualmente, facilitam o contato e possibilitam a troca de informações, mas, ao mesmo tempo, distanciando pessoas da obrigação de realmente se conhecer -até porque não dá pra acreditar em tudo vemos ou lemos o que faz da convivência algo necessário até hoje.

Atualmente existem vários aplicativos - ou apps - de paquera, tanto héteros quanto gays, isso é o de menos. O fato principal é que pessoas estão buscando pessoas de uma forma muito diferente de antes: pelo nome, pela foto e pelo perfil. Pare um pouco pra pensar e se pergunte “o que eu fazia pra conhecer pessoas anos atrás?”. As respostas são muito variáveis, pois depende muito do estilo de vida de cada um, mas certamente todas têm uma coisa em comum : sair.

Seja ir pra balada, um barzinho, viajar, jogar dominó e tomar uma gelada. Saíamos pra nos divertir e conhecer pessoas. Até isso hoje em dia tem recebido outra conotação e ganhou o caráter muito mais de exposição social do que propriamente divertimento. Aquele lance de “quem não é visto não é lembrado”.

Pessoas têm conhecido pessoas em redes sociais e mantido essa relação ali mesmo. ‘Amigos virtuais’ são um fenômeno dos últimos cinco anos, tempo em que as pessoas entenderam os limites desse relacionamento: "você é muito divertido nas redes sociais, mas prefiro que seja somente isso". Quando essa relação ultrapassa essa fronteira do virtual, muitas vezes as relações não são exatamente o que se esperava. Então é melhor deixar como está.

Voltando a falar nos apps. Eles são sim uma ótima opção para conhecer pessoas e, mesmo em viagem no exterior é possível encontrar usuários do mesmo país e língua. O app utiliza sua localização de GPS para rastrear usuários próximos a você, consequentemente, permite que você se comunique com quem sentir afinidade. Se o intuito do usuário for somente sexo, essa é uma opção bem válida, mas se não, sugiro tentar as redes sociais mais convencionais.

Outra coisa interessante acontece quando é ultrapassada essa fase de primeiro contato. Antes trocávamos telefones e, posteriormente, ligações ou mensagem de texto, o SMS. Hoje continuamos trocando telefones, mas não com o mesmo objetivo. Continuamos trocando mensagem, a diferença é a proporção e quantidade alcançada através do famoso whatsapp.

Ainda comparando, antes marcávamos encontro mais rapidamente, hoje trocamos fotos do que estamos fazendo durante o dia. Muito louco imaginar esses distanciamento e pensar que, por outro lado, envolvemos ainda mais uma pessoa em nossa rotina, a diferença é que ela não está de fato lá, somente os pixels e os dados nos acompanham.

Você deve estar pensando: o que amor tem a ver com isso? É exatamente nesse ponto que preciso chegar. O amor é expressado hoje em dia de outras formas, diferentes no formato, mas não muito na essência. Quando amamos alguém queremos ela sempre perto, mas esse querer perto não significa ter perto o tempo todo. Nesse sentido, essa era de relacionamentos virtuais e aplicativos compensativos ajuda bastante, pois durante o dia é possível manter contato, seja por ligação, mensagens, fotos, textos e voz e assim sentir-se menos distante e mais envolvido com a rotina do outro.

Isso supre, em parte, a distância causada por nossas rotinas cada vez mais cheias de afazeres e lotada de eventos marcados na agenda e compromissos, almoços, reuniões. Mas claro, não é suficiente. Nada supera o toque, o som da voz, o cheiro, a tranquilidade transmitida pela presença de alguém que gostamos. Aplicativos são subterfúgios para a dependência que temos em nos manter conectados e também a opção que encontramos para continuar nos sentindo próximos de algo que seja vivo e não somente composto de pixels em um banco de dados.

Amor da era da informação é sinônimo de rapidez e praticidade, mas também significa facilidade e proximidade, mesmo que virtual. Os caminhos que temos hoje, ao passo que nos tornam dependentes também se adequam àquilo que buscamos: seja sexo casual, seja amizade, seja amor. No final, percebemos que a forma não importa muito, o importante na verdade é se sentir menos sozinho.

20 de outubro de 2013

Pedra preta, pé de musgo


Sonhei que caminhava em um campo florido. Deserto, sozinho. Éramos somente eu e eu mesmo, além do vento no meu rosto e o toque da terra sob os  pés. Avistei um portal prateado, grande, velho e desgastado. Entrei.
Lá estava ele, sentado sobre uma pedra negra, contando  gravetos em seu colo, separando os maiores, dos menores. Me viu e sorriu. Fez sinal com as mãos para que me aproximasse. Foi o que fiz. Senti seu toque macio em meu cabelo e um cheiro de azeite e hortelã invadiu minhas narinas. Refrescante e suave, assim como sua voz quando começou a falar.
Disse-me que ficasse tranqüilo, pois o tempo, apesar de parecer um capricho e invenção do homem, pertence ao universo desde antes mesmo que pensássemos em existir.
- Olhe em volta, você reconhece esse lugar? Perguntou ele.
- Não, nunca vim aqui antes, respondi.
- Esse lugar sempre existiu, mas você precisava encontrá-lo sozinho e me encontrar também. Sou tudo aquilo que você teme e estou no lugar onde você esconde tudo o que gostaria de ser. Observo-te quando você escolhe o caminho mais fácil, quando desiste dos seus sonhos para viver a rotina, disse ele.
Olhei em volta e então percebi que havia mais pessoas. Conhecidos, mas esquecidos. Havia também coisas, lugares, céus, pôr-do-sol, estrelas, caminhares na praia, viagens à noite, riscos, medos, mudanças, tudo isso no mesmo lugar, em volta de mim, passando diante dos meus olhos, enquanto ele me olhava atentamente.
- O que isso significa, eu morri? Perguntei assustado.
- Isso é o arrependimento, um lugar perto do tempo perdido e da ânsia, esse é o lugar onde essas coisas nunca deveriam estar, mas você as mandou e eu cuido delas desde então, até que você resolva retomar o controle.
Foi quando ele se levantou e vi seus pés, descalços e cheios de musgo verde, bem verde e vivo, como se fosse parte da terra, como se fosse um organismo vivo e crescendo constantemente enquanto conversávamos.
- Todas essas coisas vieram para cá e daqui não sairão mais, você precisa gerar novos sonhos e realizá-los desta vez, porque não tenho mais espaço! Exclamou em um tom como que me cobrando alguma atitude.
- Mas você ainda não me disse quem é você! Insisti.
- Você não vê? Eu sou tudo o que você gostaria de ser, sou a coragem de superar medos, sou a vontade do novo, sou o que significa seu nome. Sou aquele que suplanta, sou você. Sou sua vontade interior, seu espírito vivo e crescente, sou tudo o que precisa, sou a hora certa, o terreno preparado, a semente e a chuva, a vida correndo em suas veias, suas células se multiplicando, a música em sua cabeça, a arte em seu sangue. Sou o que você deve sempre lembrar.
Senti sobre mim a chuva cair e avistei uma onda vindo em minha direção. Sabia que era hora de acordar. Ouvi sua voz pela última vez antes de realmente deixar aquele lugar.

- Acorde, mas não pare de sonhar.

20 de setembro de 2013

Tão perto


Você sentiu isso? Foi tão perto dessa vez, pareceu até que era comigo, quase pude sentir tocando minha pele, atingindo meu ventre, mas só foi perto, não era comigo, aconteceu com outro, mais uma vez. Será que eu estou errado, ou realmente foi com outro?
Engano meu, não foi nem perto, eu estava longe de mim e por isso pensei sentir aqui, mas não chegou nem perto, mais uma vez.

11 de setembro de 2013

Boicote

Nós prometemos ser aquilo que gostaríamos de oferecer. Prometemos fazer aquilo que gostaríamos que fizessem conosco. Fomos um para o outro muito mais do que as expectativas poderiam prever, muito além do que um sonho poderia alcançar.

Nós andamos juntos caminhos estranhos e fomos forjados numa rotina de carinhos invariáveis e sentimentos desconhecidos, mas mesmo com tudo isso, houve um final e não soubemos lidar com ele.

Nós boicotamos nossas promessas de pra sempre e nos soltamos das amarras um do outro. Ficamos dispersos, soltos, vagando. Boicotamos a falta um do outro e substituímos por saudade. Fomos transformados em estranhos, distantes e ao mesmo tempo perto. Como pode isso?

Nós estávamos juntos quando fazia sentido, mas quando não fez, mesmo que por um momento, resolvemos que o vazio era melhor do que essa dor. Prometemos muitas coisas num olhar e o toque sempre foi muito mais do que palavras. Porque nos boicotamos ao não dizê-las.

Nunca pensamos que um dia isso nos massacraria, mas a verdade é que nunca esquecemos, nunca nos livramos de fato. Não negue. Não se boicote mais uma vez, porque já demorou tempo demais até que eu entendesse o erro que cometemos.

Boicotamos o tempo que tínhamos, usurpamos um sentimento e o substituímos. Fomos fracos e covardes. Rejeitamos o que estava na nossa cara e corremos em direções contrárias. Não se boicote mais uma vez, porque já demorou tempo demais até que eu entendesse o erro que cometemos.

Perdemos a companhia um do outro e nos deixamos levar pela mágoa. Nos escondemos em relacionamentos, em falhas, na gente e nunca soubemos o que seria. O maior boicote foi preferir desistir e não pagar pra ver. Boicotamos a falta um do outro e substituímos por saudade. Fomos transformados em estranhos, distantes e ao mesmo tempo perto. Como pode isso?

Não se boicote daqui em diante. Tenha a consciência de que somente você é responsável pelo mal que lhe causam, que somente você pode permitir ou impedir que algo aconteça. Não seja rude com quem lhe quer bem daqui em diante, é tão raro um sentimento sincero de companheirismo hoje em dia. Isso também é se boicotar.